O Brasil é um país que respira política, a cada dois anos, o povo brasileiro volta as urnas para escolher seus representantes por meio do voto.
Rachel de Queiroz tem uma bela mensagem para todos, quando tratar-se da escolha de nossos representantes.
O texto foi publicado em 1947 numa revista semana chamada "O Cruzeiro".
Fica ai a dica leia para reflita:
Observação: A ortografia é da época.
"Não sei se vocês têm meditado como devem no
funcionamento do complexo maquinismo político que se chama governo democrático,
ou govêrno do povo. Em política a gente se desabitua de tomar as palavras no
seu sentido imediato. No entanto, talvez não exista, mais do que esta,
expressão nenhuma nas línguas vivas que deva ser tomada no seu sentido mais
literal: governo do povo. Porque, numa democracia, o ato de votar representa o
ato de FAZER O GOVERNO.
Pelo voto não se serve a um amigo, não se combate um
inimigo, não se presta ato de obediência a um chefe, não se satisfaz uma
simpatia. Pelo voto a gente escolhe, de maneira definitiva e irrecorrível, o
indivíduo ou grupo de indivíduos que nos vão governar por determinado prazo de
tempo.
Escolhem-se pelo voto aqueles que vão modificar as leis
velhas e fazer leis novas – e quão profundamente nos interessa essa manufatura
de leis! A lei nos pode dar e nos pode tirar tudo, até o ar que se respira e a
luz que nos alumia, até os sete palmos de terra da derradeira moradia.
Escolhemos igualmente pelo voto aqueles que nos vão
cobrar impostos e, pior ainda, aqueles que irão estipular a quantidade desses
impostos. Vejam como é grave a escolha desses “cobradores”. Uma vez lá em cima
podem nos arrastar à penúria, nos chupar a última gota de sangue do corpo, nos
arrancar o último vintém do bolso.
E, por falar em dinheiro, pelo voto escolhem-se não só
aqueles que vão receber, guardar e gerir a fazenda pública, mas também se
escolhem aqueles que vão “fabricar” o dinheiro. Esta é uma das missões mais
delicadas que os votantes confiam aos seus escolhidos. Pois se a função
emissora cai em mãos desonestas, é o mesmo que ficar o país entregue a uma
quadrilha de falsários. Eles desandam a emitir sem conta nem limite, o dinheiro
se multiplica tanto que vira papel sujo, e o que ontem valia mil, hoje não vale
mais zero.
Não preciso explicar muito êste capítulo, já que nós ainda nadamos em plena inflação e sabemos à custa da nossa fome o que é ter moedeiros falsos no poder. Escolhem-se nas eleições aquêles que têm direito de demitir e nomear funcionários, e presidir a existência de todo o organismo burocrático.
E, circunstância mais grave e digna de todo o interêsse: dá-se aos representantes do povo que exercem o poder executivo o comando de tôdas as forças armadas: o exécito, a marinha, a aviação, as polícias.
E
assim, amigos, quando vocês forem levianamente levar um voto para o Sr.
Fulaninho que lhes fez um favor, ou para o Sr. Sicrano que tem tanta vontade de
ser governador, coitadinho, ou para Beltrano que é tão amável, parou o
automóvel, lhes deu uma carona e depois solicitou o seu sufrágio – lembrem-se
de que não vão proporcionar a esses sujeitos um simples emprego bem remunerado.
Vão lhes entregar um poder enorme e temeroso, vão fazê-los reis; vão lhes dar
soldados para eles comandarem – e soldados são homens cuja principal virtude é
a cega obediência às ordens dos chefes que lhe dá o povo. Votando, fazemos dos
votados nossos representantes legítimos, passando-lhes procuração para agirem
em nosso lugar, como se nós próprios fossem. Entregamos a esses homens tanques,
metralhadoras, canhões, granadas, aviões, submarinos, navios de guerra – e a
flor da nossa mocidade, a eles presa por um juramento de fidelidade. E tudo
isso pode se virar contra nós e nos destruir, como o monstro Frankenstein se
virou contra o seu amo e criador.
Votem, irmãos, votem. Mas pensem bem antes. Votar não é
assunto indiferente, é questão pessoal, e quanto! Escolham com calma, pesem e
meçam os candidatos, com muito mais paciência e desconfiança do que se
estivessem escolhendo uma noiva. Porque, afinal, a mulher quando é ruim, dá-se
uma surra, devolve-se ao pai, pede-se desquite. E o governo, quando é ruim, ele
é que nos dá a surra, ele é que nos põe na rua, tira o último pedaço de pão da
boca dos nossos filhos e nos faz apodrecer na cadeia. E quando a gente não se
conforma, nos intitula de revoltoso e dá cabo de nós a ferro e fogo.
E agora um conselho final, que pode parecer um mau
conselho, mas no fundo é muito honesto. Meu amigo e leitor, se você estiver
comprometido a votar com alguém, se sofrer pressão de algum poderoso para
sufragar este ou aquele candidato, não se preocupe. Não se prenda infantilmente
a uma promessa arrancada à sua pobreza, à sua dependência ou à sua timidez.
Lembre-se de que o voto é secreto.
Se o obrigam a prometer, prometa. Se tem medo de dizer
não, diga sim. O crime não é seu, mas de quem tenta violar a sua livre escolha.
Se, do lado de fora da seção eleitoral, você depende e tem medo, não se esqueça
de que DENTRO DA CABINE INDEVASSÁVEL VOCÊ É UM HOMEM LIVRE. Falte com a palavra
dada à força, e escute apenas a sua consciência. “Palavras o vento leva, mas a
consciência não muda nunca, acompanha a gente até o inferno”.
Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza em 17 de novembro de 1910 e
faleceu no dia 04 de novembro de 2003